sábado, 21 de abril de 2018

[CONTO] O Farendalf Azul

Imagem incorporada
Um cheiro de café acorda o Joahkiin.

Não era o café frio no chão de sua jaula... Era café fresco... Quente... Um aroma que tomava todo o ambiente, e não seu faro apurado buscando seu ópio do lado de fora da cela na torre da prefeitura de Beagá. Por isso, ele decide abrir os olhos.

Pensara cego por uma fração de segundos. Estava numa sala azul iluminada irregular como se fosse uma curva num corredor longínquo, e não mais na masmorra escura da prefeitura de Beagá. Com o tempo, sua visão se acostuma com a claridade. Estava no centro de uma sala circular, dentro de um pentagrama azul. Não havia grades... Não havia a prefeita... Havia apenas uma caneca de vidro transparente e seu conteúdo fumegante: café.

- Beba... – uma voz diz. O Farendalf acreditou que foi a sua própria, mas não era... Não importava. Era seu vício apresentado na forma mais límpida e pura. Lágrimas escorreram do Jão.

Ele hesita. O calor radiava da caneca de vidro até sua mão poucos centímetros. Mas enfim, sem cerimônia, ele apanha-a, não pela asa, mas pelo corpo.

O primeiro gole queima a língua. Era quente e doce. Seu paladar estava prejudicado, mas mesmo assim ele verteu suavemente aquele líquido. Terminou com uma golada satisfatória. Baixou a caneca, ergueu a fronte e permitiu-se respirar um ar límpido, sem o mofo e a umidade da cela.

- Está feito... – A mesma voz de antes falou. Jão não mais achava que era sua própria. Parecia no começo duas pessoas, mas logo, era uma voz límpida, mas ecoada como se fosse uma multidão.

O salão começou a ser iluminado de forma diferente... Uma luz azul bruxuleante alterava as tonalidades de azul. Farendalf fita as lâmpadas do teto... Não eram elas a fonte da perturbação da luz...

... Era seu próprio corpo!

- A Magia despertou. – fala a voz ecoada. – Joahkiin, mago da Ordem antiga, portador do título de Farendalf, sua herança está entregue.

- C... Como assim?!? – palavras coesas saem da boca do Jão pela primeira vez em seis meses.

- Você é um coração puro que sofreu uma grande injustiça. Os Deuses se identificaram com seu sofrimento, e decidiram te libertar. Estenda a sua mão.

Farendalf começa a erguer o braço.

- Não! – censura a/as voz/ses. - Ponha sua energia no movimento! Deixe que seu instinto guiar o poder ancestral!

Farendalf faz o movimento solicitado com vigor.  Percebe então uma energia azul correr como chamas e raios por seu corpo, detendo-se na mão, e erguendo uma forma circular imediatamente à sua frente.

- Este é seu BLOCK. – fala as vozes. – Com isto, ninguém mais poderá lhe fazer mal.

- Que legal! – Jão sorria tão forte que sentia doer seu maxilar. – E poderes ofensivos? Eu tenho?

As vozes silenciam alguns segundos, mas enfim começam.

- Esta é a magia verdadeira, Farendalf. Não a prestidigitação do basílico Mago. – havia um tom de repreender. – Sim, você tem poderes ofensivos, mas devem ser usados com cautela e sabedoria.

Farendalf imagina uma esfera daquela energia azulada e estende sua mão em arco. Uma onda daquele poder projeta-se vários metros além de seu corpo, atingindo a parede e se dispersando.A língua de Jão corre por sua boca.

- O que mais eu tenho?!? – a euforia estava tomando conta dele.

- Assim que sair deste bolsão dimensional, você poderá ... Voar...

Tudo fazia sentido na mente de Joahkiin. Ele começa a caminhar pelo salão curvo. Logo sente ar fresco, e vê numa lateral antes da última curva, um portal. A luz que saia de lá era inegavelmente a luz da lua. Não más numa janela distante no alto da masmorra, mas na porta.

Mas algo chama a atenção do mago. Um pequeno volume à sua frente.

- O que é isso, Vozes?

- Este é um boneco Vodoo de seu inimigo.

Com a explicação, a imagem passa a fazer sentido. Era uma forma inumana... Primata... Com runas verdes nas juntas. Era uma representação de chimpanzé. E aos seus pés, uma adaga de lâmina curta.

- E é para fazer o que? – pergunta o poderoso mago azul.

- Deve ignora-lo. – falam as vozes. – Estamos confiando a você grandes poderes para proteger os fracos e inocentes do mundo, não para seu orgulho. O artefato à sua frente funciona. Todo o mal feito ao receptáculo será sentido pelo alvo. Mas se o fizer, não lhe devolveremos a sua liberdade, e lhe tomaremos seus poderes. Pense bem sobre suas ações...

Jão saliva pensando em ter sua vingança imediatamente. Mas isso lhe privaria de poderes. A escolha era óbvia! Deveria ser um bastião de bondade. Para o Bem vencer, ele precisaria ignorar seus sentimentos mesquinhos e se elevar como um campeão da justiça.
Ele passa pelo boneco, e sente sua aura ampliar. Seu poder crepitar de forma que não pensava ser possível. A um passo da saída, sentia-se um deus.

Então, ele hesita. Por três... Cinco segundos...

... Dá um berro inumano...

E vira-se de costas para a entrada.

Ele salta sobre o artefato como um tigre à sua presa. Com destreza, ele agarra o cabo do punhal, e começa a apunhalar freneticamente o boneco. O primeiro foi no coração, o segundo no cérebro... Incontáveis outros alternavam entre a virilha e o cu.

A luz diminui de repente. Uma porta de madeira surge na passagem fechando-a... O Arrependimento brota em Joahkiin deixando suas mãos trêmulas.

- Que pena... – fala uma Vaz vozes que ele ouvia. Não mais parte de uma multidão, mas uma voz singular ligeiramente sobre efeito de eco. Uma voz feminina. – Queria muito que você tivesse atravessado a porta e visto que era sua cela.

- Cela?

A Prefeita de Beagá aparece. Estende a mão para tocar o rosto de Farendalf. Traumatizado, o mago faz o gesto e conjura seu “Block”. A mão da Bruna atravessa o petardo como um fantasma e alisa a bochecha de jaó, que salta para traz dois metros.

- Não existe Block. - fala outra voz. Jão reconhece como uma das que falavam com ele, mas era masculina desta vez, embora aguda. – Você teve uma dose de café que seu corpo não estava acostumado após meses de confinamento. Você estava alucinando o tempo todo, e nós íamos moldando o que você via.

 Com a revelação Farendalf percebe que as supostas luzes eram um produto de sua mente. Quanto mais entendia o que eram, menor críveis seus “poderes” pareciam. Jão estava em choque, contudo, pode sentir algo pastoso em suas mãos... O que fizera. Sem a ilusão, percebe que o macaco Vodoo que via em sua mente era um macaquinho de pelúcia. E ele “apunhalara” o coitado com uma banana madura a ponto de se tornar creme.

Dois guardas da milícia de Beagá surgem da mesma esquina em que Bruna se escondeu e caminham na direção de Joahkiin. – Devolva-o à cela. – fala a prefeita. – E corte sua ração. Ele tomou café por uma semana inteira agora a pouco.

Jão tenta lançar seus raios, mas nem mesmo ele acreditava mais nos delírios. Ergue a mão para novo Block, mas nem enxergava o escudo arcano. Os bandidos o agarram sem cerimônia e o arrastam. O macaquinho e a banana caem no chão quase aos pés de Bruna. Passam pelo outro que a ajudou neste cruel trote, e em pouco tempo, Farendalf voltaria à cela em que os basílicos o deixaram.

- A dose extra de cafeína não faria tudo isso sozinha. – confirma Bruna.- Foi você, não? Você quem tornou a prisão de Joahkiin ainda mais penosa por dar este breve instante de poder, liberdade e vingança?

O acompanhante sorri com orgulho de seu feito mesquinho e abruma sua túnica.

- Resuma isso tudo que Farendalf percebeu como “Esperança”. – fala enfim. – Quando Pandora abriu a caixa e espalhou as mazelas pelo mundo, ela tentou fechar novamente, aprisionando a Esperança nela. Por que você acha que a Esperança estava na caixa das mazelas do mundo? Ela é um mal também. Pela Esperança os Basílicos tentam prosperar neste mundo destruído. Pela Esperança eles acreditam uns nos outros... E em seus líderes.

- Então esta é sua origem? – bruna ri com malícia. – É da Caixa de Pandora que você nasceu,Basílico Desgraça?

O pretor sorrir com maldade. Ele acena positivamente. Sabia que deveria ter vergonha por ser um traidor corrupto da Basílica, um judas que estava traindo seus integrantes e torturando-os com seu poder. Mas era isso que o fazia ser o Desgraça.

domingo, 15 de abril de 2018

[CONTO] Capivara Negra - Beguins



Arte: NapoliThanos
 Na sala do trono da Basílica, três dos Pretores aguardavam. Um era o felino trabalhador. Outro, com ar juvenil, já fora velho. O terceiro, é aquele que trazia as mazelas.
Celso era guiado lá por um novo adendo aos basílicos, um alienígena de porte poderoso, roupas douradas e pele com três cores diferentes... O Vermelho da Paixão, o Branco da paz, e o Marrom do Chocolate.

- Não tem um coffe Break ou algo assim? - pergunta o Símio. - Cruzei o Amazonas às quatro da manhã e entrei na fenda do Lundgreen nem proteção. Um café ou um todinho cairia bem agora.

- Você sumiu por semanas, Celso. - Repreende o felino. - Pensamos que você foi uma das vítimas...

- Vítimas de quê? - pergunta o primata. Estava longe ha muito tempo.

- Quando se afiliou à Basílica, você adquiriu obrigações.- O Desgraça inferiu. - Seu desempenho dos Jogos ... Simplesmente sair sozinho em território hostil... Tudo isso nos faz questionar sua dedicação...

- É minha natureza... - Celso encontra um envelope de chicletes que havia esquecido nos bolsos de seu sobretudo marrom. Teria de ser seu café da Manhã. -Quanto a meu paradeiro... Eu estava em Beagá.

- C... Como?!? - o ex-velho chega a se levantar.

- Relaxa... Eu sou espião... - Celso começa a mascar um pedaço da goma. - Eles jamais me achariam. E eles nos agrediram primeiro. Fui lá ver se podia trazer informações, manipular eleições, construir um muro...

- Não deveria tomar essas iniciativas, macaco. - Business não estava exaltado como os outros dois. Talvez planejasse algo assim oficial da Basílica, ou pelo menos entendesse toda a mágoa da última vez que as duas potências se chocaram. - Mas se virou a noite voltando, deve trazer notícias importantes da capital mineira à beira do mar.

Celso põe na boca outra goma para reforçar o gosto da primeira, e pondera como ia contar a história.

- Devo dizer... - Começa a narrativa. - Por algum tempo as palavras da Prefeita me incomodaram. Uma capital povoada só por nossas vítimas... Mas o fato é que a natureza é sábia. Presas e predadores vivem em equilíbrio. Muitos dos bundas-sujas subiram na vida ao abandonar o ambiente da lamentabilidade... Agora, sem a gente para mantê-los na linha, Beagá "virou Brasil".

"O mal, a corrupção e a burrice toma conta da cidade. Roubos, fraudes, fome, tráfico, e até votam no Aécio. Eu aluguei um quarto-e-sala num beco e saia à noite para constatar tudo isso o que acontecia por mim mesmo. Muanha conclusão: A cidade não poderia prosperar em ambiente tão tóxico.

Mas quando estava perdendo esperanças, comecei a ouvir boatos entre os miseráveis. Boatos sobre uma sombra de justiça à noite... Um enorme roedor sombrio que ia onde a nequícia abunda e os bundas-sujas sentem a pungência da malevolência..."

- Um ... Roedor?!? - interrompe o gato, com olhos arregalados. - Tipo ... Um rato gigante?

- ..Mais para Hydrochoerinae. - comenta Celso.

- Uma ... Capivara. - Desgraça traduz. - Não fique tão interessado, Busi...

- Dá para deixar o MACACO contar a HISTÓRIA?- reclama o Ex.

Celso cospe o chiclete. Guarda o último pedaço da embalagem para mais tarde. Precisaria de toda sua vocalidade para focalizar no assunto.

"Mesmo não acreditando nos boatos, decidi investigar. Já estava lá mesmo... Foi quando soube que um grande carregamento de piranhas do Rio São Francisco se daria no porto. Decidi investigar. Cheguei a tempo para ver quem encomendava o produto, os nerds dentuços que juntaram as economias de uma vida inteira de programador para comer uma pepeca. Deviam ter, cada qual, quinze... Talvez até vinte Golpinhos.

'Cadê as piranhas?' um mais animado falou. Os estivadores disseram 'O Dinheiro primeiro'. Eles pagaram. Olharam ao redor, temendo que a polícia ou seus pais estivessem por perto. Eu sou um mestre espião, jamais me veriam. Enfim, eles entregaram. Os Estivadores começaram a ir embora.

'EI! Nós tínhamos um trato!' - reclamou outro nerd. 'Esse dinheiro não dá para concluir a transação', retrucou o estivador, mas batendo o pé de forma intimidante. Um dos Nerds, acredito eu desiludido, disse: 'então nos devolve nosso dinheiro...' Os estivadores gargalharam. Um deles empurrou sem cerimônia o frágil nerd, que caiu no chão como meia suja.

Creio que  foi a gota d'água.

Uma pilha de caixas de madeira que tinha próxima, subitamente, despencou. Dois dos estivadores foram soterrados, e o resto foi forçado a se espalhar. Eu mal vi os movimentos, muito menos os vilões... Mas, no centro dos bandidos, surgiu o vulto negro.

Ele tinha um porte poderoso, coberto em um traje tático negro tendendo à púrpura. A ponta de seus dedos terminavam em garras espessas. Sua cabeça... Não era humana! Projetava um largo focinho que podia ser envolvido por duas mãos.

Os vilões sabiam quem era. Eles ficaram paralisados por seis... Sete segundos em terror. Mas eventualmente, talvez acreditando na vantagem dos números, eles atacaram o justiceiro.

Mesmo com o tamanho de um lutador da MMA, a capivara se moveu com graça e velocidade. Esquivou com facilidade as duas primeiras pauladas que lançaram nele. A terceira, ele aparou pelo pulso do bandido e, com a pressão de uma mão, o forçou a largar a arma.

Dois bandidos atacaram o herói por trás, mas ambos foram atingidos por um único chute circular meio-coice... E voaram até os containers partidos.

Daí então a Capivara Negra tomou a iniciativa. Saltava no ar por distâncias dignas de um slow-motion do Snyder, aterrissando no rosto de um bandido. De lá, socos voavam e cada um atingia um malfeitor, tirando-o de combate com facilidade.

O líder dos bandidos encontrou um gancho de guindaste pendurado numa corrente de ferro. Enquanto seus mínions eram derrubados pelo herói, ele apanhou o petardo, esticou sua corrente, e mirou. Quando o Capivara parou de se mexer, ele lançou em badalo a traiçoeira peça contra o herói.

O gancho de ferro balançou em sua corrente, em trajetória de arco, mas parou no ar, a centímetros do robusto roedor, e ficou parado no ar num ângulo impossível.

- Telecinésia? Magnetismo? Campo de força? - Arrisca o Ex-cara.

- Ou então ele tem o poder que faz dos heróis lendas absolutas... – fala Desgraça, lembrando-se daqueles que sobrevivem incólumes às intempéries que ele lançava no mundo.-O Poder do Protagonismo.

- Se eu puder terminar... – Celso recupera a palavra.

“Enfim, todos os malfeitores estavam caídos no chão. O chefe dos estivadores estava agora pendurado no gancho do guindaste. O Capivara Negra aproxima-se do bandido inconsciente, pega de volta o dinheiro dos Nerds, e joga o maço de notas de volta a eles, dizendo com uma voz grave e imponente:

- Tem promoção no Stream. Esquece esse papo de puta paga.

Palavras mais sábias que estas jamais foram ditas.

O herói se preparava para deixar o lugar, mas do nada, parou. Ele farejou o ar, encarou cada beco escuro do porto, detendo seu olhar enfim no beco que eu estava.

‘Impossível!’ – eu pensei. Como ele poderia me ver? Um espião envolto nas trevas? Mas ele me viu, e correu na direção oposta.

Eu estava envolvido demais na aventura para esquecer. Abandonei meu esconderijo e persegui o Vingador Carpincho.  Eu saltava nos telhados, pendurava nos postes e voava pelas ruas, e ainda assim, mal conseguia acompanhar o vigilante. E eu pensei que esses merdas eram noturnas.

Enfim, como eventualmente aconteceria, ele me despistou. Mergulhou num igarapé e desapareceu. Com isso, eu voltei imediatamente à Basílica para informar minha descoberta.”

- Igarapé? – O Gato de Negócios estranha. – Tem igarapés em BH?!?

- Agora tem MAR em BH! – observa Desgraça. – Nossas aulas de geografia estão defasadas.

- Esta... Capivara Negra... – pondera o Ex-cara. – Seria ele aliado ou inimigo? Um salvador ou um perpetrador de outra espécie de vilania?

- Napô – Desgraça chama a atenção do alienígena tricolor. – Vá com Celso e faça um retrato falado desse Comedor de capim combatente do crime.

- Depois do café! – resmunga Celso, sendo escoltado pelo abrutalhado alienígena, que já tinha lápis e papel à mão.

O trio de Basílicos aguardou estarem mesmo sozinhos.

- Vocês estão pensando o mesmo que eu? – fala o Gato.

- Se alguma criatura assim existe... - Desgraça coça o queixo. – Talvez tenha alguma chance...

- Muitos Lamentáveis perderam sua vida... – Ex-cara fala com pesar. – Talvez o Capivara Negra seja a solução para enfrentar... A Árvore!